"Esse não, esse não!" Era assim que meu filho respondia quando eu mostrava a caixinha de Carros para ele. Mas hoje, sozinho na locadora, resolvi arriscar e alugei.
Logo no início do filme me arrependi e pensei, tenho que ouvir mais o meu filho. Aparentemente ele tinha razão, "esse não". Carros começa com um ritmo mais do que acelerado, com todos os ruídos e luzes possíveis. As cenas de abertura são realmente desaconcelhavéis para uma criança da idade dele.
Já havia lido algumas referências ao filme, principalmente sobre a inovadora proposta dos produtores em realizar uma animação voltada para o público infantil que rompe com a já dominante idéia de ação crescente, resultando em uma produção que, literalmente, desacelera no final. Pensando bem, foi a curiosidade em ver isso de perto que me levou a alugar o filme. Na verdade, isso me serviu de justificativa para responder a inquietante pergunta de minha mulher: "Por que você alugou isso?". Acho que foi isso que ela me perguntou, não que eu não me lembre, é que o som de motor era tão alto, tão alto, que não entendi direito o que ela disse. Me vi em uma encruzilhada, torcendo para que a bendita desaceleração do filme (e dos carros) começasse o mais rápido possível. Meu filho, por sua vez, acho que estava gostando. Ao menos quando eu perguntei ele não disse "não". Talvez não tenha me escutado, ou, pior, estava tão hipnotizado pelas rápidas sequências de imagens que não percebia mais o mundo ao redor.
Mas, passados muitas cantadas de peneus, ruídos de motor e curvas acentuadas, o filme foi reduzindo a marcha. Pronto, um filme para crianças. O alívio tomou conta de mim. Não é pra menos, vai que toda aquela correria agradasse em cheio a ele? Estaríamos perdidos, fadados há, daqui a pouco tempo, ter que acompanhar uma eletrizante sessão de Velozes e Furiosos ao lado de uma criança com menos de 3 anos. Mas nada disso vai acontecer. A calmaria tomou conta da tela e passamos a acompanhar não apenas a mudança de ritmo do filme, mas, igualmente, do protagonista. Ou melhor, uma mudança acompanha a outra e vice-versa.
Explico, Carros narra a história de um estreante carro de corridas em uma grande competição, a Copa Pistão. Tudo indica que o carrinho vermelho irá vencer a competição, um feito sem igual para um estreante. Mas, este acaba empatado com mais dois carros. Resultado: os três terão que competir em outro autodrómo e o vencedor será o campeão. É a partir deste ponto, que ocorrem duas mudanças ( a estética, alterando o ritmo do filme, e a ética, mudando o caráter do protagonista).
Não vou entrar nos detalhes do enredo, perde a graça conhecer a história. Mas, posso afirmar que o roteiro é interessante e apresenta um detalhe inovador. Sabemos que toda a animação infantil é maniqueista, Carros não foge à regra. Mas, interessante, é o próprio protagonista que precisa ser derrotado, modificado e recuperado antes do término do filme. E nisto há uma grande mudança de foco. Pois, ao contrário de outras produções, não acompanhamos uma luta sem igual de um pobre e franzino personagem contra as estruturas hegemônicas, fazendo supor que "sim, é possível mudar algo, basta desejar". O que Carros apresenta é justamente o oposto, o protagonista é que deve mudar. É neste ponto que o filme ganha um novo folego, mais intimista e cômico.
Fico imaginando o risco que os produtores não correram ao propor tal mudança. Pois, certamente, empreender tal efeito só poderia ser bem realizado se esta segunda parte agradasse mais do que a primeira. E, agora, olhando o filme de trás para frente é possível perceber por que o início é tão irritante e desagradável. Foi necessário iniciar de forma agrassiva, tal qual a postura do protagonista, para finalizar de forma leve e agradável, tal qual a postura do protagonista no final do filme.
Um ponto muito positivo do filme é esse olhar sobre as ações do próprio protagonista, indicando que as grande mudanças só podem ser alcançadas quando são realizadas no plano individual e interior.
Não, não e não! Quero deixar claro que eu não espero que tais produções sejam uma fonte segura de valores éticos para o meu filho. Carros, e qualquer outro filme, é apenas uma forma de diversão, nada mais que isso. Mas, se há esse constante desejo de apresentar fundamentos a partir destas histórias, que ao menos esses princípios sejam apresentados de forma correta.

Um comentário:
É pra isso que a gente faz doutorado!! Pra comentar os filmes dos filhos!! risos...Tá lindo seu blog.
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