"Você está vendo o portão amarelo cantante?", "Qual destes Mickey-objetos podemos usar para achar o Donald?", "Você pode me ajudar a pular bem alto para pegar o bebê onça?". Reconheceu algumas destas perguntas? Não? Então, desculpe a sinceridade, mas você está por fora da nova tendência da animação infantil.
Se o seu filho não responde a incontáveis perguntas dos personagens de desenho animado, em um frenético jogo de interpelações, certamente ele ainda não assistiu a epsódios de Dora, a aventureira, Diego ou a Casa do Mickey. Mas, uma coisa eu posso afirmar, tenho certeza que mais cedo ou mais tarde, ele irá em alto e bom som falar quantas estrelinhas estão piscando no céu. E isso não será um ato voluntário, fruto de um desejo de expressar os primeiros progressos em equações matemáticas, ele estará apenas respondendo a um inquietante questionamento, provavelmente da Dora: "Você pode me ajudar a contar quantas estrelinhas nós conseguimos pegar?". E, mesmo que o silêncio seja a saída oferecida, não importa, o desfecho é o mesmo: " Isso, five stars. Contou muito bem!".
Não sei precisar qual série instaurou esse princípio baseado na interatividade, o primeiro que eu assisti foi Dora, a aventureira. Uma produção americana, da Nick, que apresenta uma personagem latinoamericana que tem como melhor amigo um macaco que usa chamativas botas vermelhas. Dora, a pequena latinoamericana, sempre precisa ir para um determinado ponto de sua cidade para solucionar algo (entregar um convite para um festa, levar um objeto para sua mãe, pegar frutas de uma árvore, etc). Contudo, ela nunca sabe o caminho. É nesse momento que somos soterrados de perguntas: "A quem pedimos ajuda quando não conhecemos o caminho?" Se você pensou em responder ao dono da banca de jornal: errou. Também errou se pensou em pedir ajuda a um guarda. A resposta correta é dada pela própria Dora: "Isso, ao mapa". (Ao menos ela não nos corrige). Pronto. Agora temos que ajudar a Dora a chamar o mapa: "Você me ajuda a chamar o mapa? Diga Mapa! Mapa! Mais alto: Mapa". Alívio, ele aparece! O Mapa, que na verdade é um personagem, apresenta o caminho repetidas vezes. Caminho decorado, prontos para a jornada? Não. Temos que, agora, repetir o caminho para a Dora. (Por que ela não ouviu a explicação dada pelo Mapa?)
Acho que estou sendo implicante. Na verdade não é tão chato assim. Meu filho adora. E, agora com dois aninhos-quase três, responde tudo direitinho e repete muito bem. Além disso, ele conta as estrelinhas, aponta onde está a grande galinha ruiva, fala qual dos objetos da Mochila pode ser utilizado para pegar uma bola que ficou presa na árvore, etc. (Eu fico babando) Mas, uma coisa é fato, não se assiste desenho como antigamente. Se antes as crianças tendiam a ficar passivas e caladas, algumas em estado de catatonia, outras demosntrando uma tímida vibração com a vitória dos personagens, hoje é totalmente diferente. É necessário participar, interagir, responder, ajudar o personagem a pular, correr, levantar, segurar, etc. Então, além de ser um ótimo exercício de cognição, ver desenho também é uma prática aeróbica. Coisas da pós-modernidade.
Ah, não sei se vocês repararam, mas, há algumas linhas acima, eu escrevi que a Dora se refere as cinco estrelas como "five stars". É isso mesmo, é quase uma animação bilíngüe. Mas há uma diferença brutal entre a produção com som original e a versão brasileira. No original Dora fala inglês e apresenta algumas expressões em espanhol. Já na versão brasileira ela fala português e utiliza algumas expressões em inglês (as mesmas que na versão americana são ditas em espanhol). Sem querer sem chato e sem fazer discurso um discurso político bolivariano, mas seria muito mais interessante se a personagem na versão brasileira utilizasse algumas expressões em espanhol e não em inglês.