segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Um novo paradigma na animação infantil?

"Você está vendo o portão amarelo cantante?", "Qual destes Mickey-objetos podemos usar para achar o Donald?", "Você pode me ajudar a pular bem alto para pegar o bebê onça?". Reconheceu algumas destas perguntas? Não? Então, desculpe a sinceridade, mas você está por fora da nova tendência da animação infantil.



Se o seu filho não responde a incontáveis perguntas dos personagens de desenho animado, em um frenético jogo de interpelações, certamente ele ainda não assistiu a epsódios de Dora, a aventureira, Diego ou a Casa do Mickey. Mas, uma coisa eu posso afirmar, tenho certeza que mais cedo ou mais tarde, ele irá em alto e bom som falar quantas estrelinhas estão piscando no céu. E isso não será um ato voluntário, fruto de um desejo de expressar os primeiros progressos em equações matemáticas, ele estará apenas respondendo a um inquietante questionamento, provavelmente da Dora: "Você pode me ajudar a contar quantas estrelinhas nós conseguimos pegar?". E, mesmo que o silêncio seja a saída oferecida, não importa, o desfecho é o mesmo: " Isso, five stars. Contou muito bem!".



Não sei precisar qual série instaurou esse princípio baseado na interatividade, o primeiro que eu assisti foi Dora, a aventureira. Uma produção americana, da Nick, que apresenta uma personagem latinoamericana que tem como melhor amigo um macaco que usa chamativas botas vermelhas. Dora, a pequena latinoamericana, sempre precisa ir para um determinado ponto de sua cidade para solucionar algo (entregar um convite para um festa, levar um objeto para sua mãe, pegar frutas de uma árvore, etc). Contudo, ela nunca sabe o caminho. É nesse momento que somos soterrados de perguntas: "A quem pedimos ajuda quando não conhecemos o caminho?" Se você pensou em responder ao dono da banca de jornal: errou. Também errou se pensou em pedir ajuda a um guarda. A resposta correta é dada pela própria Dora: "Isso, ao mapa". (Ao menos ela não nos corrige). Pronto. Agora temos que ajudar a Dora a chamar o mapa: "Você me ajuda a chamar o mapa? Diga Mapa! Mapa! Mais alto: Mapa". Alívio, ele aparece! O Mapa, que na verdade é um personagem, apresenta o caminho repetidas vezes. Caminho decorado, prontos para a jornada? Não. Temos que, agora, repetir o caminho para a Dora. (Por que ela não ouviu a explicação dada pelo Mapa?)



Acho que estou sendo implicante. Na verdade não é tão chato assim. Meu filho adora. E, agora com dois aninhos-quase três, responde tudo direitinho e repete muito bem. Além disso, ele conta as estrelinhas, aponta onde está a grande galinha ruiva, fala qual dos objetos da Mochila pode ser utilizado para pegar uma bola que ficou presa na árvore, etc. (Eu fico babando) Mas, uma coisa é fato, não se assiste desenho como antigamente. Se antes as crianças tendiam a ficar passivas e caladas, algumas em estado de catatonia, outras demosntrando uma tímida vibração com a vitória dos personagens, hoje é totalmente diferente. É necessário participar, interagir, responder, ajudar o personagem a pular, correr, levantar, segurar, etc. Então, além de ser um ótimo exercício de cognição, ver desenho também é uma prática aeróbica. Coisas da pós-modernidade.




Ah, não sei se vocês repararam, mas, há algumas linhas acima, eu escrevi que a Dora se refere as cinco estrelas como "five stars". É isso mesmo, é quase uma animação bilíngüe. Mas há uma diferença brutal entre a produção com som original e a versão brasileira. No original Dora fala inglês e apresenta algumas expressões em espanhol. Já na versão brasileira ela fala português e utiliza algumas expressões em inglês (as mesmas que na versão americana são ditas em espanhol). Sem querer sem chato e sem fazer discurso um discurso político bolivariano, mas seria muito mais interessante se a personagem na versão brasileira utilizasse algumas expressões em espanhol e não em inglês.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

O espanta tubarões




Meu filho tem apenas dois anos e, talvez por sua pouca idade, possui um grande poder de convencimento. Digo isso não por ele possuir uma rebuscada fluência verbal, na verdade basta repetir incontáveis vezes a palavrinha "esse" e apontar para o seu objeto de desejo. E foi dessa forma, sem choro e gritos, que fui convencido que seria um bom negócio alugar "O espanta tubarões".




Como vocês devem ter percebido, tinha uma certa implicância com o filminho. Tal implicância tem um fundamento concreto, o filme não é apropriado para a idade dele. Mas, para ser sincero, nenhum filme em que o protagonista seja a cara do Will Smith é apropriado para qualquer idade.




"O espanta tubarões" é uma comédia ao gosto médio de Hollywood, com um elenco de figurões que passa por Robert De Niro, Angelina Joli e Zyggy Marley. É assustador ver todos aqueles seres aquáticos com a fisionomia de conhecidos artistas de cinema. E, nesse sentido, vale questionar a validade e necessidade de construir personagens de animação (peixes e águas-vivas) que remetem a pessoas de carne e osso. Talvez os produtores estejam desejando conquistar os pais, vitimas secundárias dessas produções.




Um ponto que eu achei bastante irritante no filme é a transposição de elementos de nossa sociedade (leia-se americana) para o fundo do mar: O lava a jato vira lava baleias; a corrida de cavalos se transforma em uma corrida de cavalos-marinhos; os mafiosos italianos são tubarões etc. Abandona-se a possibilidade de criação e ficcionalidade para em seu lugar construir um frustante fundo do mar que é cópia quase que fiel da sociedade americana.




Mesmo assim, acho que foi um bom negócio alugar "O espanta tubarões". Foi assistindo esse filme que, enfim, pude perceber que Adorno estava certo. A industria cinematográfica americana aposta caro na formação e manutenção de seu público cativo. Utilizar como trilha sonora sucessos da música eletrônica americana, estampar caras conhecidas em peixes sem graça e, principalmente, produzir um filme de animação que é uma total cópia das pueris comédias americanas é apenas uma das muitas engranagens desta industria.


domingo, 24 de junho de 2007

Madagascar - Eu me remexo muito!

Nosso filho tem uma predileção, como a maioria das crianças na idade dele, pelos "números musicais" dos filmes. O campeão até o momento é Madagascar, com sua festa rave no meio da mata. Ainda não tive paciência pra dar uma ouvidinha na letra no original, mas a tradução é fantástica: "Vem, vai, no meu pique, navega no oceano como um grande Titanic." E todo mundo rebolando! O engraçado de Madagascar - e da maioria dos filmes da DreamWorks - é que eles não se levam a sério. Ao contrário daquela chatíssima imitação da Disney, Selvagem, Madagascar não tem mocinhos e bandidos, só um bando de bichos doidos não muito diferentes de nós. Girafa hipocondríaca, Leão burguês, lêmures interesseiros, pinguins terroristas. O básico da fauna humana. E diálogos hilários como quando o Leão (guardar o nome já é demais) descobre que está na "natureza" e pergunta ao lêmure-rei: - Natureza? Tipo morando numa cabana e limpando o traseiro com uma folha de bananeira? E o lêmure: - Quem limpa?
Mas ultimamente o filhote tem trocado as aventuras dos super mamíferos pelo bônus do DVD que vem com uma história natalina estrelada pelos quatro pinguins. (Aliás, alguém tem que analisar esse recente fenômeno de colocar pinguim em tudo quanto é filme.) Os pinguins são totalmente militarescos e sacanas. Ótimos pra quem tá exausto do politicamente correto.
Mas o melhor de tudo é ver o herdeiro se remexendo muito.





sábado, 16 de junho de 2007

Carros (Disney)

"Esse não, esse não!" Era assim que meu filho respondia quando eu mostrava a caixinha de Carros para ele. Mas hoje, sozinho na locadora, resolvi arriscar e alugei.


Logo no início do filme me arrependi e pensei, tenho que ouvir mais o meu filho. Aparentemente ele tinha razão, "esse não". Carros começa com um ritmo mais do que acelerado, com todos os ruídos e luzes possíveis. As cenas de abertura são realmente desaconcelhavéis para uma criança da idade dele.


Já havia lido algumas referências ao filme, principalmente sobre a inovadora proposta dos produtores em realizar uma animação voltada para o público infantil que rompe com a já dominante idéia de ação crescente, resultando em uma produção que, literalmente, desacelera no final. Pensando bem, foi a curiosidade em ver isso de perto que me levou a alugar o filme. Na verdade, isso me serviu de justificativa para responder a inquietante pergunta de minha mulher: "Por que você alugou isso?". Acho que foi isso que ela me perguntou, não que eu não me lembre, é que o som de motor era tão alto, tão alto, que não entendi direito o que ela disse. Me vi em uma encruzilhada, torcendo para que a bendita desaceleração do filme (e dos carros) começasse o mais rápido possível. Meu filho, por sua vez, acho que estava gostando. Ao menos quando eu perguntei ele não disse "não". Talvez não tenha me escutado, ou, pior, estava tão hipnotizado pelas rápidas sequências de imagens que não percebia mais o mundo ao redor.


Mas, passados muitas cantadas de peneus, ruídos de motor e curvas acentuadas, o filme foi reduzindo a marcha. Pronto, um filme para crianças. O alívio tomou conta de mim. Não é pra menos, vai que toda aquela correria agradasse em cheio a ele? Estaríamos perdidos, fadados há, daqui a pouco tempo, ter que acompanhar uma eletrizante sessão de Velozes e Furiosos ao lado de uma criança com menos de 3 anos. Mas nada disso vai acontecer. A calmaria tomou conta da tela e passamos a acompanhar não apenas a mudança de ritmo do filme, mas, igualmente, do protagonista. Ou melhor, uma mudança acompanha a outra e vice-versa.


Explico, Carros narra a história de um estreante carro de corridas em uma grande competição, a Copa Pistão. Tudo indica que o carrinho vermelho irá vencer a competição, um feito sem igual para um estreante. Mas, este acaba empatado com mais dois carros. Resultado: os três terão que competir em outro autodrómo e o vencedor será o campeão. É a partir deste ponto, que ocorrem duas mudanças ( a estética, alterando o ritmo do filme, e a ética, mudando o caráter do protagonista).


Não vou entrar nos detalhes do enredo, perde a graça conhecer a história. Mas, posso afirmar que o roteiro é interessante e apresenta um detalhe inovador. Sabemos que toda a animação infantil é maniqueista, Carros não foge à regra. Mas, interessante, é o próprio protagonista que precisa ser derrotado, modificado e recuperado antes do término do filme. E nisto há uma grande mudança de foco. Pois, ao contrário de outras produções, não acompanhamos uma luta sem igual de um pobre e franzino personagem contra as estruturas hegemônicas, fazendo supor que "sim, é possível mudar algo, basta desejar". O que Carros apresenta é justamente o oposto, o protagonista é que deve mudar. É neste ponto que o filme ganha um novo folego, mais intimista e cômico.


Fico imaginando o risco que os produtores não correram ao propor tal mudança. Pois, certamente, empreender tal efeito só poderia ser bem realizado se esta segunda parte agradasse mais do que a primeira. E, agora, olhando o filme de trás para frente é possível perceber por que o início é tão irritante e desagradável. Foi necessário iniciar de forma agrassiva, tal qual a postura do protagonista, para finalizar de forma leve e agradável, tal qual a postura do protagonista no final do filme.


Um ponto muito positivo do filme é esse olhar sobre as ações do próprio protagonista, indicando que as grande mudanças só podem ser alcançadas quando são realizadas no plano individual e interior.


Não, não e não! Quero deixar claro que eu não espero que tais produções sejam uma fonte segura de valores éticos para o meu filho. Carros, e qualquer outro filme, é apenas uma forma de diversão, nada mais que isso. Mas, se há esse constante desejo de apresentar fundamentos a partir destas histórias, que ao menos esses princípios sejam apresentados de forma correta.